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Meu peixe Nemo

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Dia 27 de maio perdi meu pai Nemo. A pessoa mais doce que tive a sorte de conviver ao longo da minha existência. Admito que, quando recebi o convite do Diário de Santa Maria para fazer parte do time de cronistas, o que mais me motivou foi o fato de saber que ele seria meu leitor. Sem hesitar, aproveitei a chance concreta de enviar recadinhos através dos textos. Todas as manhãs eu ligava para ele. Na coluna das sextas-feiras, feliz, me dizia: te vi no jornal, minha filha! Eu pensava que às vezes nem lia o que havia escrito. Entretanto, nos finais de semana, quando corria ao seu encontro em São Gabriel, ele comentava, orgulhoso, o conteúdo.

Homem encantador, de cuidado extremo com todos os familiares. Deixou um legado de amor, em sua forma mais pura. Sua história entrecruza com a de um peixe que, ao perder sua esposa e parte de sua ninhada, tornou-se superprotetor do filho que sobreviveu. Recordo que quando nossa mãe partiu e o medo de perdê-lo tornou-se real, redigimos, com ele, o livro Amor Além da Vida, o qual retrata sua adoração por aquela grande mulher. Para abrandar nosso receio, prontamente recitou o verso: "Para a Glaura, minha querida. Eu sei que partistes, mas, tuas filhas, filhos, netos e netas, ficaram aqui. E, sentindo o carinho deles, me sinto perto de ti". Sábio, por meio de rimas, acalmava nossos corações, com o sinal de que permaneceria conosco até quando fosse possível. Logo depois perdeu o filho, nosso irmão, que também se chamava Nemo. Novamente, apesar da dor, acenou com a possibilidade de continuar, com leveza, demonstrando poeticamente, que tudo pode ficar bem, mesmo quando um sofrimento, praticamente insuportável, tome conta de nossas vidas. Inspirava, assim, a eterna esperança de que podemos seguir em frente, alicerçados em boas lembranças.

Como bem disse meu tio Blau, irmão de meu pai: "ninguém como o Nemo tem sua morte tão sentida por familiares e amigos. Mas, é um sentimento de plenitude de vida, de missão cumprida. Parece impossível, mas é uma morte cheia de vida". Um ser acolhedor, que foi, nos últimos anos, graciosamente, hospedado pela nora Dionara, sempre considerada por eles uma filha. Hoje, seguimos nadando em frente, embasados em uma formação que nos dá garantias de que não ficaremos presos em algum aquário. Certamente, no caminho poderemos enfrentar tubarões e a escuridão de oceanos, mas, aprendemos contigo a observar melhor e a andar com tartarugas e estrelas do mar.

Pai, durante toda a tua trajetória, atravessastes serenamente a vastidão dos mares para nos proteger e cuidar. Vou continuar te procurando e encontrando nas melhores histórias e lembranças mais incríveis da minha infância e também na das minhas filhas, para as quais fizestes uma enorme diferença. Deixastes a todas(os) o patrimônio da alegria, da humildade, do perdão, da afeição mais pura pelo ser humano. Nascido e criado nos pagos do sul, envolto em uma cultura machista, atingiu a delicadeza dos gestos mais simples de apreciar as flores, cores e sabores. Sentiremos falta do som da tua gaita, das tardes embaladas pelos tangos e dos tantos causos. Confesso que ainda não consigo rezar antes das refeições como fazias, mas prometo que, assim que o pranto passar, o farei.

Se você, que está lendo esse texto, tem pai e mãe, não perca tempo em abraçá-los e agradeça todos os sinais de afeto, mesmo aqueles que você não percebe. Vai meu peixe Nemo, com a certeza de aqui vivestes intensamente, cada segundo. Um dia nos reencontraremos e nadaremos juntos para um novo recomeço, com o mesmo contentamento de todos os tempos que aqui estivemos.

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